quinta-feira, 12 de agosto de 2010

soul love - a noite o céu é perfeito - 42, 43 e FIM.

Capítulo Quarenta e Dois

Minha cabeça fervilhava e meu estômago se contorcia de nervosismo. Apresentar-me no festival começava a me deixar ansiosa, embora só agora eu fizesse parte do backing vocal. Fiquei um tempão secando o cabelo e repassando as músicas na minha cabeça.
Mamãe lavou a camiseta de Patti Smith. Vesti-a com cuidado.
Quando desci, Gabe estava na sala, com Tallulah no colo. Algo em sua expressão me incomodou. Ele se esforçava para dar a impressão de que estava tudo bem.
- Mamãe não disse que você estava aqui – comentei.
Tallulah saltou do colo dele e escondeu-se embaixo do sofá.
Gabe disse:
- É Ash . Ela está muito mal. Depois que você saiu ela desmaiou. Tivemos que chamar uma ambulância.
- Qual é o problema?
- Eles não sabem direito, mas parece que o sistema imunológico dela entrou em pane. Estão achando que ela não tomou os remédios dela direito. Ela está com febre altíssima, passando mal. Mais tarde, se a situação dela se estabilizar, é provável que seja transferida para um hospital em Londres.
Lembrei-me de Marcus.
- Gabe, saia imediatamente daqui! Vá, agora! – empurrei-o pela porta. Atravessamos a rua:
- Marcus pegou catapora. Ash ficou muito tempo com ele outro dia – expliquei.
- Isso pode ser terrível. Vou hoje mesmo para Londres, depois do show.
- Vou com você. Vai ficar tudo bem, eu já tive catapora – toquei de leve no braço dele.
Gabe afastou-se de mim.
- Não, Jenna.
- Irei amanhã então – estava assustada com a frieza de Gabe.
Lentamente, ele me disse que o melhor era eu me afastar.
- Não vou atrapalhar nada. Podemos nos encontrar para um café depois que você visitar Ash.
- De jeito nenhum, Jenna. Isso tem de ter um fim agora.
As palavras dele foram um murro:
- Quer dizer que a noite passada foi apenas uma brincadeira? – lágrimas quentes desciam pelo meu rosto.
Gabe não disse nada.
- Fale comigo! – gritei.
- Tudo o que eu disse a noite passada foi sincero...
- Porque eu estou sentindo que tem um “mas” nessa história?
- Por favor, Jenna , não torne as coisas mais difíceis do que elas já são.
- Vou torná-las dificílimas para fazer você ficar.
- Você está falando como Sarah. Tentando me prender.
- Sem grosserias, Gabe – falei baixinho enquanto buscava apoio num muro. – Desta vez, você me feriu no coração e no estômago.
Gabe se afastou e começou a andar em círculos, muito agitado.
- Nunca antes me senti assim em relação a ninguém, Jenna. Você é especial para mim. Temos tantas afinidades. É assim que me sinto.
- Eu também, Gabe.
- Neste momento, Ash precisa mais de mim do que você.
- Mas não precisamos nos separar.
- Ashley não tem ninguém. Seu pai e sua mãe já morreram. Foi rejeitada por todos da família, a não ser por uma prima que a deixa morar com ela “por obrigação”, e desde que ela nunca conte a ninguém que é HIV - positiva. Prometi a mamãe que eu sempre cuidaria de Ash. E ela sempre cuidou de mim.
- E o grupo de apoio? Eles não podem ajudá-la?
- Eles são nossa linha vital de comunicações. Um lugar pra onde vamos sem precisar nos pôr em xeque a cada cinco minutos. Onde as pessoas nos compreendem. Mas isso não é o bastante.
- Entendo.
- Você tenta, Jenna .
- Estou tentando agora, realmente estou. Não estou lhe pedindo para deixar de ser amigo de
Ash.
- Neste momento, tenho de pôr Ash em primeiro lugar na minha vida. É a coisa certa a fazer. Não se trata de um jogo. A saúde dela depende disso.
- Quer dizer que precisamos parar de nos ver? Isso não faz sentido.
- Precisamos nos separar. Há coisas que preciso fazer...
Engoli em seco. Gabe tinha de ficar ao lado de Ash e manter a promessa que tinha feito à sua mãe e à de Ash. Mesmo que não amasse ela como me amava, tinha de estar ao lado dela. Ela precisava mais dele. No fundo, eu sabia que o que ele estava dizendo era certo.
Pensar nisso doía tanto...
Meu cérebro tentava encontrar uma saída.
Por quanto tempo? Alguns dias, algumas semanas, ou mais?
- Não podemos nos prender a promessas falsas – a voz de Gabe estava áspera.
- Podemos manter contato? – eu me sentia um animal disposto a lutar até a morte para salvar seus filhotes. Se pelo menos eu pudesse me corresponder com ele por e-mail, tinha certeza de que poderia convencê-lo.
- Ash precisa acreditar que está tudo acabado entre nós. De outro modo, ela não me deixaria mais cuidar dela. Ela precisa de mim.
- Eu também preciso de você – respondi baixinho.
- Não, não precisa – Gabe afastou o olhar. – Você não pode precisar de mim, pra mim é muito difícil lidar com essa situação. Tenho sido egoísta, Jenna. Você deve procurar seu próprio caminho no mundo. Além do mais, o que está em jogo não é apenas Ashley.
- Você está usando a doença dela como um pretexto? – Me irritei.
- Não, mas essa crise dela me fez pensar novamente sobre nós. Não é justo com você, Jenna.
- Já sou bem crescida e quero ficar com você. Você me explicou alguns dos riscos que posso correr; posso aprender mais em nosso convívio. Lembre que você é o meu amor – segurei o rosto dele firmemente com as mãos e voltei-o para mim.
Ele desviou o olhar.
- É porque a amo, Jenna , que preciso ficar algum tempo sem vê-la. Não quero que você tenha de lidar com essa situação se eu ficar muito doente. Você é jovem demais. Precisa de espaço para respirar. Não sei direito se estou pronto para lidar com um relacionamento desses. A proximidade me dá medo. O medo do que pode acontecer...
- Você está me abandonando...
- Vou para a Itália com Ashley . Um primo de papai tem uma casa de campo lá, e acho que o clima poderá ajudá-la. Eu já pensava em fazer isso antes de nos conhecermos.
A voz de Gabe estava fria e firme.
- Não posso ficar tão longe, sem manter contato com você – disse. – É horrível até mesmo pensar nessa possibilidade.
- Todo ano, no primeiro sábado de agosto, às dez da noite, olhe para o céu e verá Cassiopéia, ao norte. Eu estarei fazendo o mesmo.
A dor de perder Gabe era tão intolerável que eu só conseguia dizer:
- Até mais, então – e voltei para o chalé sem olhar para trás. Nada que eu pudesse dizer ou fazer mudaria a situação.
Me enfiei na cama, chorando muito. Mamãe teve a delicadeza de me deixar sozinha. As lágrimas secaram e atenuaram minha dor. O fato de me dizer que talvez tivéssemos de esperar anos seria o jeito de Gabe se livrar de mim? Ele talvez não estivesse vivo dentro de dois ou três anos...
Eu não suportava essa idéia. Não. Eu sabia que ele me amava. A ultima crise de Ash o abalara, ele decidira fazer a coisa mais nobre em relação a mim e a ela . Ele ía manter a promessa feita à mãe de Ash e ficar ao lado da amiga, dando-lhe toda a força num momento muito difícil. Ao me deixar, talvez ele estivesse fazendo aquilo que via como a coisa certa. Talvez nós dois precisássemos de um pouco mais de experiência de vida.
Amei-o ainda mais por isso. Ele estava assumindo a responsabilidade por alguém, e mantendo a promessa feita. Era uma promessa que precisava ser cumprida. Não o tipo de promessa ao qual gente como Selena estava acostumada. Nem o tipo de promessas fúteis que gente como Kai fazia e quebrava a cada minuto.
Que tipo de relação poderíamos ter no futuro se ele não apoiasse Ash agora? Eu teria de aprender a lidar com a dor de me separar de alguém que amava tanto.
Mas havia uma ultima coisa a fazer.
Deixar Gabriel saber o quanto eu o amava.
Capítulo Quarenta e Três

Assim que pisamos no palco, uma câmera começou a nos acompanhar, flashes espocavam como se fôssemos grandes estrelas do rock. Pouco importava que a câmera fosse de Julius. Ava acenou para nós da primeira fila. Estava emocionadíssima e berrava nossos nomes. Mamãe estava sentada ao lado dela (Muriel ficara tomando conta de Marcus). Até Sarah estava lá, mas não havia sinal de Kai.
Gostaria de dizer que estávamos maravilhosos, mas irregulares em muitos aspectos. É isso o que há de bom na música anti-folk. Não se trata de ser pretensioso, mas de comunicar-se. Pelo menos, era isso que Lucas vivia dizendo. Gabe saía um pouco do ritmo de vez em quando, meus olhos estavam inchados e minha voz tremia.
Lyle estava ficando muito nervoso nos bastidores, cercado por seu pessoal.
Fui para o centro do palco e disse:
- Sei que Lyle está louco para começar, e que vocês estão loucos para vê-lo, mas eu gostaria de cantar mais uma música. Seu título é Because the Night, e nem preciso dizer o nome da pessoa à qual a dedico.
Peguei a banda de surpresa. Corbin já estava fora do palco, e comecei a cantar. Enquanto cantava, transformei todos os sentimentos que me sufocavam em uma bola de emoções e deixei tudo sair. Esqueci que havia um público à minha frente. Deixei rolar.
Queria que Gabe soubesse quanto ele significava para mim.
...Because the night belongs to love...
Quando terminei de cantar fez-se um silêncio.
Acho que fiz papel de tonta, pensei, sentindo-me afundar.
Aí Gabe subiu ao palco e me beijou na frente de todos.
As pessoas aplaudiam e gritavam. Flashes. Até Lyle veio para o palco faturar um pouco da nossa glória.
Segurei-me em Gabe. Não havia mais nada a dizer. Tudo o que eu podia fazer era abraçar-me a ele pela última vez. Pouco importava que diante de mim houvesse centenas de pessoas.
Aquele beijo ficaria comigo por muito, muito tempo.
Epílogo

Mamãe achou que eu tinha enlouquecido quando pedi um telescópio como presente de Natal, e meus vizinhos devem pensar que pirei de vez ao me verem vasculhando o céu noturno em busca de estrelas. Mas aqui é Londres, e ninguém diz nada.
Estou totalmente de acordo com Platão. A astronomia realmente nos obriga a olhar para cima, à procura de um novo mundo. Amo o céu noturno. Olhar para o alto faz nosso espírito elevar-se também. Sempre me sinto mais cheia de esperanças quando olho para as estrelas.
Mesmo em Londres, numa noite clara, dá para vê-las. Existem tantas constelações com nomes fantásticos como Ursa Maior, Corona Borealis e Áquila.
Por fim, depois de muita tentativa e erro, encontrei Cassiopéia.
Gostaria que mais pessoas entendessem que não há limite para o processo de crescimento. Algumas pessoas podem ser maduras aos dezesseis anos, outras podem agira como crianças mimadas durante a vida toda. Kai e Sarah são considerados adultos, mas vejam como se comportam.
Também não há limite de idade para encontrar o verdadeiro amor. O fato de eu ter só quinze anos quando conheci Gabe não significa que nossos sentimentos não fossem verdadeiros, nem que não pudéssemos fazer a coisa certa, por mais que tenhamos nos machucado.
Amar Gabe me ensinou muitas coisas. Por exemplo, a aprender com meus erros e perdoar os erros dos outros. Não tenho medo de encarar aquilo em que acredito e não me sinto obrigada a fazer o que todos querem que eu faça. Não estou mais em segundo plano.
Quando olho para o céu noturno, sinto-me perto de Gabriel .
Esta noite, sinto-me especialmente próxima de dele porque sei que, onde quer que ele esteja, estará olhando para Cassiopéia e pensando em mim.

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